- Tá doce?
- Bem docinho. Quer provar?
- Não, só de ver a boca pinica, tenho afta. Desde novinha.
- Pena, porque hoje tá doce. Seis reais, dois por dez.
- É, tenho afta mesmo. Começou de criança.
- Você trabalha por aqui?
- Ali naquele prédio.
- Babá?
- É, mais ou menos babá. A patroa tem dois meninos, de cinco e de sete, eu fico com eles antes da escola.
- Registrada?
- Ela falou que me registra mês que vem, sem falta. Você trabalha aqui?
- De quinta eu fico nessa esquina, porque tem o movimento do culto, aquilo ali é uma igreja, sabia?
- Sabia não.
- O povo sai seco por um abacaxi, ainda mais nesse calor. Hoje vou vender quase tudo, se Deus quiser, garanto o leite das crianças. Você tem filho?
- Sou casada não, moço. Queria estudar, terminar escola, fazer curso de enfermeira.
- Faz bem.
- Deixa eu ir que o Pirituba tá chegando, se perder esse, só daqui meia-hora.
Queria se vestir bem, comer no Macdonalds, passear pela Teodoro aos domingos. Procurou e procurou um emprego de escritótio, o currículo na bolsa – ensino médio completo, inglês básico, sem experiência, com proatividade e determinação – mas só encontrou um bico como panfleteira. Entregava, nos semáforos da Rebouças, informativos de apartamento à venda na Vila Madalena e em Perdizes. Respirava a fumaça dos escapamentos, ouvia besteiras de um e de outro motorista, se embrenhava entre os carros, perigando ser atropelada por um motoboy. Na calçada, olhava as fotos dos prédios nos panfletos, bonitos, bem pintados, com quadra e escorregador. Queria ser feliz num desses prédios, ir trabalhar de Metrô ou até mesmo de Yellow – depois voltar para casa numa nice, very sexy, e passar pela street tomando um sundae.
Entrou sabe Deus como, mas conseguiu um lugar. Até Perus o trem vai pingando, não dá nem pra se apoiar; depois, fazia bem duas semanas que não se sentava, uma canseira. Fechou os olhos: o jeito era fingir que dormia. Mesmo não estando no assento preferencial, tem sempre essas pessoas que entram depois, cheias de direitos silenciosos, a idade, muletas, pés quebrados, dedos, exigindo com os olhos um lugar. Hoje não. Afinal, fazia bem três semanas que não se sentava. E outra, ela também era filha de Deus, também tinha as pernas riscadas de varizes – que, depois das filhas, sempre inchavam no final do dia. E isso não lhe garantia um lugar preferencial. Não lhe garantia lugar nenhum. Nada. Por isso fechava os olhos, mesmo que perdesse janela, a paisagem machucada, as distrações pequenas nas roupas das pessoas. Até Pirituba, mesmo sentada, ia apertada; depois a coisa costumava folgar. O problema foi que, num solavanco, acabou abrindo os olhos. E pronto, a mulher grávida tava lá. Meio grávida, ou meio gorda; fingiu que não viu. Até Pirituba ia aguentar; aguenta até Pirituba, consciência. Afinal, menina era nova e a barriga nem tão grande assim. Abriu uma fresta dos olhos para confirmar: a barriga estava estrategicamente apontada para o centro de sua testa. Diabo. Agora seriam seis semanas sem conseguir fazer a viagem semana
Eles chegaram de (inserir meio de transporte, regular ou clandestino), vindos de (inserir cidade, estado ou país de origem). Fugiam da:
- Guerra
- Seca
- Perseguição política
- Miséria
- Alguma(s) da(s) anterior(es)
Em busca de
- Paz
- Se estabelecer
- Constituir família
- Riqueza
- Fama
- Bens e produtos brasileiros para exportar
- Bens e produtos para contrabandear
- Compradores para seus importados
- Mulheres, órgãos, drogas para vender
- Compradores para mulheres, órgãos...
- Abrir uma pousada no litoral
- Alguma(s) da(s) anterior(es)