“Mrs. Dalloway, sempre dando festas para encobrir o silêncio!”

“Como mulher eu não possuo país. Como mulher, meu país é o mundo todo.”

Virgínia Woolf

Estas são duas frases de Virginia Woolf, uma das autoras a serem estudadas no curso Escrita e feminino, com Maria Lucia Homem e Rita Palmeira, em novembro na Escrevedeira. Mas afinal qual é o silêncio que Mrs. Dalloway precisaria encobrir e por quê? E, como mulher, Virginia Woolf não possuía um país?

 

Entre outras respostas possíveis, o silêncio é a matéria que compõe a literatura de Woolf e de muitas outras escritoras mulheres que aprenderam a usar as palavras de forma, no mínimo, dúbia. Se as palavras dessas autoras se referem ao que se lê nelas, muitas vezes dizem muito mais aquilo que silenciam, que apenas insinuam.

 

Clarice Lispector afirmava escrever mais nas entrelinhas do que nas próprias linhas e as figuras de linguagem – metáforas, metonímias, eufemismos e outras – tornaram-se recursos essenciais para que mulheres de muitas épocas pudessem dizer, de forma enviesada, aquilo que precisaram calar.

Na Inglaterra da época de Woolf, mulheres tinham acabado de adquirir o direito de votar, embora com restrições. Se o pai de uma mulher casada falecesse, sua herança era do marido e havia universidades específicas para mulheres. Em "Um teto todo seu", a autora conta que mulheres eram impedidas até de entrar em algumas bibliotecas. Como possuir um país que pratica a exclusão das mulheres como regra oficial?

 

Uma das perguntas mais comuns que autoras mulheres ouvem em entrevistas é se existe uma literatura feminina. Penso que a pergunta, em si mesma, já carrega um preconceito ou, no mínimo, uma falácia. Trata-se de normalizar a exclusão de uma literatura escrita por mulheres e sutilmente questionar se essa exclusão teria gerado, como reação, um estilo de escrita mais sensível e delicado como são as mulheres. Mas por que a escrita feminina não pode ser agressiva e potente? Ou o que seria essa escrita? Um texto que evidencia uma autora mulher por detrás?

 

Sob certos aspectos, é claro que há uma escrita feminina, já que, pelo fato de as mulheres terem sido impedidas, por tanto tempo, de publicar o que achavam que queriam ou deveriam dizer, viram-se obrigadas a silenciar sobre várias coisas e a desenvolver técnicas de fingimento que acabaram por identificá-las a um texto com sutilezas, lançando mão de recursos subliminares e ambíguos: a tal "escrita poética". Mas quantos homens não criam personagens femininas, que falam e agem como mulheres verossímeis, com linguagem de mulher?

 

A ficção é o território do fingimento. A verdade é assunto da psicanálise, das religiões, da Ética, eventualmente de diários, cartas e afins. A literatura não fala sobre as coisas, mas permite que as coisas falem por si, criando o mundo impossível em que um funcionário pode se transformar num inseto monstruoso e em que uma mulher pode ter uma iluminação ao ver um cego mascando chicletes. A escrita feminina é a escrita do mundo, desse mundo possuído por Virginia Woolf e por todas nós, que mergulhamos nossa linguagem no tempo e nos deixamos mergulhar por ele. Mulheres e homens e crianças, sempre nos entortando no fingimento infinito da literatura.

Imagem: Escrevedeira

O SILÊNCIO DA LITERATURA FEMININA

30/10/2018

Noemi Jaffe